Do antiquário Judeu polaco ao Rei do Caruncho
Outras memórias:
De vez em quando o antiquário telefonava porque havia uma "peça" que talvez interessasse.
E lá se ia ver a peça, o que obrigava a vestimenta aprimorada, meias bem puxadas ao mesmo nível, sapatos bem engraxados, cabelo penteado como deve ser. Às vezes até luvas ou chapéu de feltro (uns bons acessórios são o principal duma toilette )e a minha mãe seguia a cartilha.
Eléctrico 24 até ao Carmo, descida ao Chiado, chegar até próximo do Governo Civil.
Há pouco tempo ainda lá estava, hoje é uma loja duma decoradora de interiores, nem por isso nada que me fascine...O antiquário era uma pessoa amabilíssima, um judeu polaco, provavelmente fixado durante a guerra. Aí aprendi palavras como Lalique, Baccarat, Chippendale, e ouvi dissertar sobre as virtudes da "família rosa" da Companhia das Índias, sobre o Cantão ou vice-versa.
Ouvia falar de pau-rosa e pau-ouro e sucupira e pau-santo. De pratas de "gradinha", da supremacia inglesa das casquinhas ou mesmo da alemã, da arte dos "Leitão e Irmão" e de figuras feitas de uma peça só, dos marfins do Benim ou de biombos Nambam. De marcheterias, de incrustações nas lacas japonesas. E passava-se naquele espaço entre a penumbra e a cor dum jarrão Ming que ultrapassava o meu tamanho. Provavelmente um "faux". Que não, que não...Não me lembro, salvo em duas ou três excepções, de ter havido alguma aquisição.
De saída lanche na Caravela ou na Bénard. Só mais tarde percebi que nem sempre se vai a sítios destes só para comprar...pode ser também para vender...ou trocar com alguma vantagem para uma das partes. Mistérios resolvidos de uma só penada por uma observação trocista do Armando, o filho crescidote de um homem com armazém de velharias para restauro, a dois passos da minha casa, conhecido por o "Rei do Caruncho".
…como diria o outro "é a vida".
Texto de AB
8 comentários:
Tão interessante, AB, esta tua história se não dissesses que era uma visita a um antiquário com a tua mãe, podia perfeitamente passar por uma visita de estudo a um museu. A verdade é que ir a um museu pode parecer uma coisa muito pomposa, mas passar por uma casa dessas tal como descreves, é tanto ou mais educativo do que seria passar pelo «museu do móvel».
Como te contei, em casa da minha avó também havia esse costume de comprar uma peça de mobiliário de muita qualidade quando as vacas andavam gordas, e isso era um investimento. Quando as vacas emagreciam, desaparecia de novo a cómoda ou o contador, imagino que vendidos à mesma pessoa a quem os tinha comprado...
Grande AB!!!
É um «passeio» excelente.
Muito bom para começar um dia que prevejo chato. ( se calhar...)
Este teu «Era uma vez...» está a ficar cada vez melhor!
No fundo funcionou como "visitas guiadas".E como educação do gosto também.E outro dia lembrei-me destas visitas quando no CCB vi miudos minuscúlos que devianm pertencer a ATLs de caderno em punho a tentar desenhar e "interpretar"Duchamp ou Fontana...AB
Interessantíssima descrição. Gostei sobretudo da referência ao Rei do Caruncho e da prespicácia do filho Armando. No entanto a referência aos conhecimentos que uma tal visita trazia e traz, é a mais significativa.
Joaninha, espero que o dia não esteja a ser tão chato como adivinhavas... :S, mas se o facto de ter começado bem ajudou, já valeu a pena.
King, daqui a pouco o «Era uma vez» fica escrito a dois teclados!!!!
AB, como vês partilhar assim as tuas recordações vale muito a pena!!!
Zé, tens razão, estas 'visitas guiadas' educam mesmo sem se dar conta...
Cada vez mais rico este blog! Aprende-se muito, quase que consigo visualizar todos estes posts! :D
E eu que gosto tanto de te ter por cá!!!
Quando abri isto e vi «Farpas» pensei «Iupi! Ele voltou!!!!»
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