quarta-feira, abril 25, 2007

Onde estavas na manhã do 25 de Abril?


Eu era miúdo. Dez anos acabados de fazer. Tinha ido como de costume para a Escola mas via-se que alguma coisa se passava, os professores estavam esquisitos só a falar uns com os outros e não vinham para as aulas. Alguém fala em Revolução e aquilo não era a brincar. Os professores discutiam, uns diziam que se devia dar as aulas como de costume, outros que deviam era mandar os alunos para casa. Eu via que havia discordância, uns com uma cara radiante, outros muito preocupados. Mas a meio da manhã foram os pais que começaram a aparecer a ‘recolher’ os filhos, havia mesmo uma Revolução! Eu nunca tinha visto tanto nervosismo. Os meus pais pareciam outros, eles que são – eram! – calmíssimos, estavam numa pilha de nervos.
Meteram-me no carro e vão a casa dos meus avós contar as notícias. Ainda têm algum receio de falar ao telefone e é mais seguro ir mesmo lá ver como estão. Na estrada, para ir para a marginal passamos por um sítio onde de avista o Forte de Caxias e o meu pai às tantas grita “Que se lixe, quero lá saber!” e buzina vigorosamente. Outros carros que passam por nós também começam a buzinar e um deles a rir buzina de um modo especial, os meus pais explicam-me que é «morse».
A minha mãe chorava de emoção e repetia-me para nunca esquecer aquele dia, o fascismo estava a cair. Sentia-me contagiado com aquela excitação, e ainda por cima não tinha tido escola!
Lembro-me que os meus avós, que tinham mais de 60 anos, não queriam acreditar. Eu sabia que eles sempre tinham sido de esquerda e combateram com todas as forças o salazarismo. O avô esteve preso muitas vezes. A conversa é entre a incredulidade e o riso, percebo que se está a viver um momento sem par.
O meu avô quer vir logo para Lisboa, propõem deixa-me ali com a avó, coisa que não me agrada, perdia a festa! Almoçamos todos parece que estamos nas nuvens. Oiço nomes Marcelo, Tomás, Spínola. Mas onde está o governo, o que é que ele faz? Prendem-no? Julgam-no? E a PIDE? Vão prender os Pides?
Vimos todos para Lisboa depois do almoço. No rádio do carro ouvimos que
o forte de Peniche foi libertado. Todos gritam: Desta vez foi! Esta é a prova!
Eu sentia-me excitadíssimo, nunca tinha imaginado nada assim.

7 comentários:

Farpas disse...

Acho uma graça a essa parte do buzinão, demonstra bem o espírito com que as pessoas estavam, ansiosas de expulsar para fora toda a repressão a que tinham sido sujeitas, imagino como deve ter sido bom passar por Caxias a buzinar de alegria!!!

sem-se-ver disse...

eu tinha 14 anos.

em Coimbra.

fui tudo tão, tão, tão excitante!

alegria tão tão tão PURA!

sabe o que me emociona sempre mais? desde aquele dia até hoje quando o recordo?

os gritos de 'Vitória! Vitória!'

nunca a palavra Vitória fez tanto sentido neste país.

Vitoriemos, sim e sempre, a liberdade.

abraço fraterno neste 25 de abril - sempre, claro!

josé palmeiro disse...

Já respondi, no outro, pois comecei por baixo. Linda descrição. É essa forma simples e sem arrogância, que demonstra, sem equivocos, o que foi o verdadeiro 25 de ABRIL!
Apetece-me repetir um poema de José Carlos Vasconcelos, na altura no "JORNAL", ele próprio um sinal de Abril.

25 de Abril

Hoje, é o primeiro dia.
Agora, todo o tempo é nosso!

sem-se-ver disse...

sinalizei este seu post num que dediquei às comemorações do 25 de abril na blogosfera. espero que não se importe! e, se gostar dele, melhor ainda... :-)

(agora ando a fazer copy-paste deste meu comentário nos blogs que utilizei. tipo: pedido de autorização a posteriori...)

Anónimo disse...

Já os li todos mas agora começo por cima.
Olha, vejo que «recuperaste» aqueles posts do ano passado mas passando para a primeira pessoa. Gosto. Dá um ar mais pessoal e é ainda mais fácil a gente identificar-se. Gostei muito desta parte também dos avós - foi assim com os meus pais. E o dia visto por um miúdo fica bem, aqui o «sem-te-ver» diz bem o que sentiu e os gritos de Vitória que também relembro.

Anónimo disse...

Uma outra faceta desse «dia dos milagres». Está bem visto ires mostrando as diversas reacções ao longo do dia (como são as 3 regras? unidade de acção, de espaço e de tempo? )
Ver a situação pelos olhos de um miúdo de uma família anti-fascista é boa ideia.
Bom post, este.

cereja disse...

Amigo Sem-se-ver, a etiqueta aqui na blogosfera é apenas ao citar mandar um link e isso tu fizeste. Com esse link no fundo estamos a remeter para o original, e não é necessário mais nada. Fico contente que tenhas achado o meu post interessante que te apetecesse citá-lo, até te agradeço!

Tens razão Farpas, nessa época os carros estavam menos generalizados do que hoje e não se businava assim tanto. daquela vez foi o modo de transmitir que algo se passava e resultou! Os presos apanharam a mensagem.
Joaninha e King, vocês como mais velhos, assim como o Zé, leem isto como memórias e não como informação. Mas a minha ideia é que seja mesmo informativo para quem nasceu depois ou era bebé.