segunda-feira, março 19, 2007

Pai

Vai mudando o foco conforme a idade que temos, desde a admiração ilimitada por aquele ‘gigante’ que nos atirava ao ar e em quem tínhamos a perfeita confiança de que nos agarrava a tempo e aninhados seus braços tudo era perfeito, a outra admiração mais correcta porque apesar de se reconhecer algumas imperfeições elas apagavam-se diante das grandes qualidades que lhe reconhecíamos, ao espanto de se descobrir que, em certos assuntos, até sabíamos mais do que ele (como é possível se ele sabia tanto!) ao orgulho de confirmar que, nas áreas onde o nosso saber foi mais além, ele é das poucas pessoas a sentir-se orgulhoso disso, como se os nossos êxitos fossem mais importantes do que os seus próprios.
E, a verdade é que o são. É esse amor que é ser Pai.
Essa ternura imensa, puríssima, sem ponta de ciúme, que olha para nós com orgulho e nos dá tanta confiança. As referências e valores que vão norteando toda a nossa vida, recebemo-las dos nossos pais, são o nosso primeiro e mais importante elo com o Mundo, o mapa que nos ajuda a encontrar o caminho.
Um dia, vai-se embora.
Sabemos que tem de ser assim, que é uma lei a que não se foge, mas não deixa de ser uma dor imensa. Faz hoje anos levei-lhe uma rosa. «É o Dia do Pai» expliquei-lhe com um beijo, deixando-a sobre a dobra do lençol, na esperança que o perfume da rosa se sobrepusesse ao cheiro de hospital. Poucos dias depois a rosa ainda não tinha murchado, mas ele tinha fechado os olhos.
Que saudades, Pai.
Há dias onde dói mais, sabes? Sinto-te comigo, dentro de mim, mas não era isso que eu queria, queria era sentir o teu colo outra vez.
Que saudades...


9 comentários:

josé palmeiro disse...

Disseste o que eu não conseguia dizer, subesrcrevo interamente a tua ideia. Só espero que os nossos filhos, também o possam dizer e sentir. Tenho a certeza que tudo temos feito, para isso.

saltapocinhas disse...

belo texto!
Eu, que não ligo nenhuma a estes dias, no ano passado também dei uma prenda ao meu pai que estava no hospital.
Felizmente correu tudo bem, e este ano vai ser apenas o telefonema do costume... É que ele também não liga a prendas!

Anónimo disse...

Estou como a Saltapocinhas, a maioria dos «dias de...» não me dizem lá muito. E este «do Pai» é posterior ao «da Mãe» vá lá saber-se porquê.
Mas dizes coisas muito certas, e quando os perdemos então vem ao de cima tudo o que sentimos e não dissemos na altura. Vou aproveitar enquanto o tenho e posso dizer todo o carinho que sinto.

Anónimo disse...

Comoveste-me.
Do alto do meu tamanho (sou maior do que ele) é verdade que ainda penso quando me atirava ao ar, fazia cavalinho no seu joelho, ou me punha às cavalitas.
Quando ando mais desanimado ainda me apetece esse «colo» de que falas, mesmo que só psicológico.
Que ainda esteja muitos, muitos, muitos anos por cá. Se virmos a esperança de vida posso acreditar nisso.
Acho que lhe vou telefonar e talvez convidá-lo para almoçar. Ainda vou a tempo.

Anónimo disse...

Também gostei muito do teu texto. E a foto é um encanto, revi-me completamente ali. De certeza que não sou eu...?

Farpas disse...

Vinha dizer que este teu texto estava profundamente bem escrito, mas acho que já todos demos conta disso! Sabes ouve-se muitas vezes dizer que "pai é quem cria", mas eu não concordo totalmente, talvez por ter um pai incrível, Pai é quem acompanha os seus filhos, mais do que criar, porque as galinhas também se criam e depois lançamo-las para dentro de uma panela... partilhamos sorrisos, lágrimas, e muitas vezes nem precisamos falar, é isto que eu tenho e que sei que vou conservar, ele está lá para mim e eu estou para ele, e é por isso que embora saiba que um dia o que falas pode acontecer não penso, ou não quero pensar, muito nisso... porque a saudade seria demais...

cereja disse...

Obrigado, amigos.
Farpas, passei pelo Camandro e também gostei do que disseste, vou voltar lá para dizer o que penso.
Mas a mensagem chegou inteira pelo que senti do que escreveram. Não queria nenhuma pieguice, mas apetecia-me dizer em público, mesmo que ele não o saiba, a importância do MEU pai. E pelo que aqui disseram vocês 're-formataram' o texto com os VOSSOS pais no centro. Fico feliz, era isso que desejava.
E se teve um toque de melancolia, era inevitável, mas vocês que são mais jovens e, como disse o Raphael, com a esperança de vida que hoje temos, vão saboreá-lo muito tempo ainda.
(que tal o almoço Raphael?)

Anónimo disse...

Tocou-me muito , porque tambem já não o tenho e eu adorava-o

cereja disse...

Obrigada Kati, pelas tuas palavras. É claro que quando já não o temos as saudades são terríveis.