segunda-feira, março 05, 2007

A morte como negócio

Chega a vez dos cemitérios.
A «gestão privada» vai alastrando qual mancha de óleo. E é lógico, depois dos hospitais vêm os cemitérios. Estão a estudar a legislação de modo a facultar a gestão dos cemitérios ao privado.
Quando passaram os primeiros episódios da série «Sete palmos de terra», muitos de nós ficaram de boca aberta. Quem nunca tinha saído de Portugal, desconhecia que a morte poderia ser encarada como se via naquela série de TV. Os funerais eram ali umas reuniões sociais elegantes e as famílias esmeravam-se por apresentar os «seus mortos» bem embalsamados, e havia uma festazinha na sala ao lado onde não devia faltar nada para o conforto dos vivos.
Depois o modelo, mais soft é certo, chegou cá. Já estive em velórios onde iam servindo cafezinhos e sopa, o que era agradável apesar de desconcertante (antes disso, quem precisava ia à leitaria mais próxima e voltava depois para o seu recolhimento). Só que a coisa vai melhorar bastante mais: além do «tanatório, complexo funerário com salas de velamento, forno crematório» terá também vários serviços como
cafeteria, florista, capela, posto de saúde e sala para criança, catering e reportagem de vídeo..
E vêm as fantasias:
Entrar num veleiro e rumar ao alto mar para lançar as cinzas de um falecido. Alugar um side car para levar a urna num cortejo fúnebre só de motards. Velar um defunto ao som de violino e harpa tocados ao vivo. Fazer uma jóia com uma mancha de cabelo de algum ente querido.
Bom, mas claro que tudo isso tem custos…
Quem terá 30 mil euros para gastar num funeral?
O faraó?


7 comentários:

josé palmeiro disse...

Aqui temos nós, mais um costume alglo-saxão, atomar conta dos nossos hábitos e costumes.
À cerca de trinta e quatro anos, tive uma experiência, com essa realidade. Estava, na altura, em Moçambique, e um amigo meu, morreu na antiga Rodésia. Quando o corpo veio de lá, transladado, verificámos que vinha todo maquilhdo e o caixão com uma janelinha, onde tinhamos acesso, ao trabalho efectuado.
Perece-me ser uma invasão aos nossos hábitos e sentientos, como gente do "meridião", temos outras formas de viver com esse problema, e eu, não encaro essas mudanças de ânimo leve.

Farpas disse...

A mim também me faz um pouco de impressão... até porque na maior parte das vezes o que se vê é um aproveitamento do estado dos familiares das vitimas que pouco querem saber de "negócios" nessas horas...

Anónimo disse...

Há um verdadeiro aproveitamento do estado fragilizado das familias, mas cada um reage á sua maneira , Eu nao gosto desses rituais, nem as flores aprecio nos funerais , era bem melhor que tivessem dado um pouco de alegria as pessoas oferecendo flores em vida. A morte é muito triste e essses rituais todos a volta dela não me convencem

Anónimo disse...

O neoliberalismo é totalizante, a morte esplêndido negócio, pois acontecendo, em geral, só uma vez a cada um, acontece a todos, é dos raros exemplos transversais às classes sociais, eventual desmentido parcial de Marx. Não falei em Mirandela ? Os antecessores tocam de resto tudo o que julgo importante.

cereja disse...

É isso mesmo, FJ, chamei ao post «A morte como negócio» porque foi isso que senti. Senti um nó no estômago quando associei a «gestão dos hospitais» com a «gestão dos cemitérios» como se fala na notícia.
A verdade é mesmo essa, apanha-nos a todos e com as famílias particularmente sensíveis. E se para nascer, até se pode nascer em casa e quase sem ajuda, a verdade é que depois de morrer tem mesmo de haver uma acto social, tem de se dar um fim aquele corpo...
Eu sinto um pouco como a Kati, depois da pessoa morrer fica na minha memória, na minha saudade, mas o ritual não me diz muito. Contudo há gente a quem esse ritual consola muito, e é terrível explorar-se isso.

Anónimo disse...

O que é interessante também é a inconsciência:
"A mentalidade mudou e deixámos de ser vistos como os abutres que exploram o sofrimento dos outros para sermos considerados profissionais de uma actividade tão digna como outra qualquer" dizem os senhores, quando movimentam 400 milhões de euros!!! Coisita pouca.
Faraó? Não sei se em porporção não é realmente o mesmo.

cereja disse...

Joaninha, realmente «abutres» é demais, aquilo é uma profissão de tem de ser exercida, mas faz realmente impressão ganhar-se tanto dinheiro com isso. E a 'sofisticação' agora anunciada, de fazerem um serviço como nos casamentos com vídeo e tudo é de arrepiar (pelo menos para a nossa mentalidade - lá na América será diferente)