terça-feira, outubro 21, 2008

O telhado antes dos alicerces


Li umas declarações da senhora ministra da Saúde, que pretende incentivar cirurgias sem internamento.
Parece que dessa forma se pode dar muito mais rápida resposta às listas de espera por operações. Donde podemos pensar que afinal o que faltam são hotéis, há blocos operatórios, médicos cirurgiões, material, enfermagem, só o que não há é camas e portanto o melhor é cada um voltar para casa, porque lá
o doente "tem acompanhamento por parte da equipa" que o assistiu durante as primeiras 48 horas .
Diz a ministra que «com estas cirurgias, o doente tem a garantia de qualidade, apesar de entrar de manhã no hospital e sair à noite».
Bem...

Eu fui operada há poucos meses e de facto nem 24 horas estive na clínica. Umas seis horas depois de passar o efeito da anestesia, estava na ambulância de volta a casa.
Mas eu tenho uma casa confortável, família e amigos disponíveis, e algumas noções do que seria perigoso fazer. Mas sei que não sirvo de modelo para a maioria da população.
Os cuidados a ter com um doente recém operado nem toda a gente tem noção deles, e tanto pode fazer asneira por excesso como por defeito. Uma família pode entrar em choque ao receber alguém que foi operado nesse mesmo dia, por mais instruções que lhe sejam dadas.
Se um hospital não é um hotel, onde se esteja sem ser necessário, também não me parece que seja uma fábrica onde se entre por uma porta com uma doença e se saia por outra já curado.
Ainda há poucos dias falei aqui nos tais «cuidados paliativos». Pelo que sei estão planeados para serem ‘fornecidos-ao-domicílio’. Mas como?!
Já contei de uma amiga cujo pai está em estado terminal. Ela, com o maior dos sacrifícios, tem-no cuidado em casa. Há poucos dias, ele entrou em choque, tremia, perdeu o conhecimento e foi de urgência para o hospital. O clínico que o viu apressadamente, declarou que ele estava com uma infecção urinária, receitou-lhe umas cápsulas e mandou-o embora.
Ao entrar na ambulância estava tal como quando saíra de casa e a filha recusou-se a levá-lo, voltando à urgência. Teve de meter a intervenção de um enfermeiro porque o médico nem a queria ouvir, gritando-lhe que as infecções urinárias não se tratam nos hospitais. Ela, que é pessoa muito calma, explicou ao enfermeiro que, -1º o pai já não urinava dado o tamanho do tumor, se não o algaliassem a consequência era fatal, -2º ele não estava a comer nem beber pelo que as cápsulas não serviam de nada. Com a intervenção do enfermeiro o senhor ficou internado. Neste momento está a soro porque não se alimenta, a oxigénio porque não respira bem, e inconsciente.
Mas vão dar-lhe alta e mandá-lo para casa da filha onde vai receber «cuidados paliativos».

??????????????
Quando falo em 'alicerces e telhado', quero dizer que em sociedades onde as famílias tenham condições para receber estes doentes, pode escolher-se essa opção.
Na nossa, em casas atafulhadas e sem nenhuma assepsia como são muitas delas, esta decisão é perfeitamente desumana.
Podem diminuir as listas de espera das operações, mas vão aumentar os acidentes no pós-operatório.

Para que serve um telhado sem paredes nem alicerces...?


12 comentários:

Anónimo disse...

Emiéle, este tema nunca mais acaba e tem raízes muito fundas...
Se queres que te diga até essa noção dos cuidados paliativos, para além de um certo momento já começa a ser prolongar artificialmente a vida. Respeito muito a vida, mas para mim ela tem um princípio e um fim. Sinto tão errado 'prolongá-la' para além daquilo que a natureza previu, como fazer nascer um bebé de 6 meses de gestação! Mas enfim, isto é o meu modo de pensar.

Quanto a essas operações à la minute, enfim... cof... cof... Como dizes, com graça, afinal o que falta são hotéis. Porque isso de deslocar uma equipa à casa de cada um, ainda sai mais caro, porque o tempo dos técnicos que não é barato, fica prolongado com o tempo gasto na deslocação! Para mim, é um procedimento de país rico!

josé palmeiro disse...

Não consigo acrescentar mais nada. Tu e o King já disseram tudo o que me vai na alma, sobre este assunto, e mais não digo.

Anónimo disse...

Pois, King, um bebé de 6 ou 7 meses que nada obrigava a nascer adiantado! Forçar a natureza é o contrário de 'ajudar a natureza' o que estaria muito bem.

essa doa 'operações à la minute' (hoje o King estava inspirado!!!) faz-me torcer o nariz. Como nós sabemos na esmagadora maioria das casas não há condições para receber um doente recém operado. A não ser uma pequena cirurgia, o que creio não ser disso que se trata. Uma opração «a sério» das que implicam 'listas de espera', precisa de um póst-operatório cuidadoso. Em casa? Com a família a faltar ao trabalho? E muitas vezes trabalhos temporários onde se não trabalha não ganha?...

Como dizes, falta os alicerces para esta medida.

Anónimo disse...

Tenho de pensar melhor.
Para mim devia ver-se caso a caso.

É que quem tenha meios económicos (ou seja, tenha uma boa casa e pessoas disponíveis para o tratar sem por isso serem despedidas do seu emprego) muitas vezes optam por uma clínica ou Hospital privado. São os que têm seguros de saúde que cobrem essas coisas...
o resto do maralhal, o que está anos à espera da cirurgia, não creio que tenha habitações onde se possa cuidar de um doente recém operado.
isto penso eu...

Anónimo disse...

Mas a linda caminha da tua imagem é de que hospital?....

cereja disse...

Tess - a cama não é dos Capuchos, nem de santa Marta, nem de S. José... tirei-a da net, mas não faz lá falta!

Este post é muito sério. Escrevi-o com seriedade e inquietação. Posso não ter a menor razão e oxalá assim seja. Mas aquilo que vejo à minha volta (como o caso da minha amiga) não me tranquilizam.

méri disse...

Quanto aos cuidados paliativos o King aflurou parte importante da questão.
Quanto à cirurgia ambulatória não são operações à la minute!!! Quando muito à la carte, porque nem todas as operações se podem fazer em ambulatório, é claro!

Há anos que muita cirurgia que se faz com internamento podia e devia ser ambulatória.
Sei que isto dá pano para mangas, que é fácil chamar economicista a mais esta medida, que poderá vir a ser boicotada (o sr. bastonário já veio dizer mal dela...) facilmente e de forma muito popular/ucha pelos srs. cirurgiões.
(vamos lá ver se sou boa aluna nos bolds e itálicos:))

méri disse...

não sei se ficou claro que esta parece-me ser uma boa medida do ministério da saúde; queiram os técnicos envolvidos que tenha sucesso... com bons resultados, claro!

cereja disse...

Impecável, os bolds e itálicos!!!!
:))) Honras a professora!

A tua opinião é preciosa, Méri, porque estás muito mais dentro destas questões do que quem por aqui passa (creio eu, que não conheço pessoalmente nem Mary, nem King, nem Joaninha, nem ninguém!!!)
Contudo, o artigo devia explicar muito melhor, ou o porta-voz do Ministério. Porque quando dizes que «nem todas as operações se podem fazer em ambulatório» isso não ficou muito claro. Eu sei, que muitas vezes até é mais perigoso ficar num hospital, que há infecções que se apanham exactamente nos hospitais, mas...
Porque o apoio que se deve dar à família do doente recém operado, é a base disto tudo. Se esse apoio for real, a medida parece correcta, mas existirão técnicos em quantidade suficiente para prestar esse apoio?
(não sabia o que tinha dito o bastonário; isso devia ter-me deixado de pé atrás...)

méri disse...

Pois... é que as "peças" que saem, quer nos jornais, quer nas tvs, são truncadas, como muito bem sabes. E os critérios são em função, muitas vezes, de se provocar confusão, agitação, mal entendidos e explicar quanto menos melhor.
Não acredito que ninguém tenha falado nisso - tipo de operações - só que para quem fez a notícia seria uma coisa sem importância.
Sobre as listas de espera serem de operações que se não fazem em ambulatório não é verdade - há muitas operações que se podiam fazer em ambulatório, mas dá muito jeito também tê-las nas listas para "se meterem" depois de uma grande operação, e depois ser adiada (mais uma vez...) porque a grande operação "se complicou" ou porque ficaram todos muito cansados...

Olha, sabes, quando ouço notícias sou sempre, mas sempre muito crítica, estou sempre com a pedra no sapato; o mesmo quando leio jornais... cá em casa já não se compra jornal diário nenhum - vão-se lendo por aqui e ali as notícias

méri disse...

Só mais uma coisa a propósito do apoio aos doentes e família no post-operatório: tanto quanto sei os doentes para serem operados no ambulatório têm que residir, ou melhor ter uma residência (pode não ser a dele)para onde vão após a operação num raio de X (desculpa não sei quantos são)quilómetros do hospital responsável.
O ministério arrancou com este projecto após um ano de levantamento nacional das condições e não são todos os hospitais que o vão fazer actualmente.
Ainda acrescento que não só se não aplica a TODAS as operações mas também não se aplica a TODOS os doentes.
Há meses extraí a vesícula de urgência por laparoscopia (aquela em que se faz três furinhos, o contrário da "barriga aberta) e fiquei 6 dias internada, quando normalmente se sai 24h ou no máximo 48h depois... e correu tudo bem, mas... havia outras coisas que reequilibrar, e à partida isso já se sabe.
Desculpa lá o lençol e espero não ter provocado muita confusão!

cereja disse...

Pelo contrário Méri, estes esclarecimentos são muito importantes.
Quando eu também falei da minha operação e disse que saí no dia seguinte (e isso porque fui operada cerca da meia-noite...) isso correspondeu a umas 6 horas depois de ter passado o efeito da anestesia, mas acrescentei que vinha para uma casa onde tinha bons recursos. E, aliás, era isso que eu estava a querer dizer quando escrevi o post: com recursos, a ideia era (e podemos agora dizer no presente: é) boa. Quanto menos tempo se estiver em ambiente hospitalar melhor...
Mas tudo aquilo que foste esclarecendo, não se consegue extrair da notícia, pelo contrário, a ideia que dá é muito diferente.
Agradeço muito o teu «lençol» e o que podemos concluir é que raio de jornalismo nós temos. Eu, por outros lados, também tenho encontrado inexactidões que alteram muito o sentido das coisas.